Cerca de 500 famílias ocupam as
casas do programa habitacional da Caixa Econômica Federal, que, seja por
motivação intencional ou incompetência, não foram entregues aos moradores aos
quais se destinava há 4 meses, encontrando-se, assim, em condição de deterioração.
Do grupo de ocupantes foi expedida uma ordem de despejo de 200 famílias para o
dia 24/04, mesmo com as negociações iniciadas na semana anterior.
Um recurso jurídico chamado “agravo” – que consiste no pedido de revisão da decisão pelo próprio juiz ou por outro – foi montado para impedir o despejo e encaminhado ao órgão competente em Brasília-DF, baseando-se no argumento da não utilização das casas e a condição de pobreza das ocupantes.
Sabe-se bem que nestes casos o processo jurídico é apenas uma parte da questão, o principal é a pressão política, por parte de apoiadores da sociedade civil e de movimentos sociais, mas principalmente da luta dos próprios moradores.
Enquanto o advogado Igino Marcos (CPT – Comissão Pastoral da Terra) continua preparando o recurso ao despejo e apoiando juridicamente essas famílias, outros apoiadores (CPT) e moradores se preparam para mais lutas.
I – Situação Material:
Ao conviver com nesse meio rapidamente observamos que se trata de um grupo de trabalhadores próximos ao chamado “lupemproletariado”; onde sua renda atinge no máximo 700 reais mensais dentre cerca de 5% de seus integrantes, mais da metade ganha entre 1 salário mínimo (650) e 400 reais e o restante menos do que isso, em sua maioria sem carteira assinada e trabalho irregular.
A motivação para o ato de ocupação é clara: impossibilidade de pagar aluguel – muito menos em comprar ou financiar uma casa – com tal salário, numa cidade de grande especulação imobiliária onde o aluguel de uma casa pequena e longe da região central não é menos de 250 reais – o que a maioria expressou ter pago anteriormente. Depreendo a primeira questão: como pode uma família com a renda de 400 reais pagar aluguel e ainda comer?
Está claro que um grupo social exposto a salários baixos, trabalhos de meio período, subemprego, “bicos” e até desempregados, tomem tal medida desesperada de ocupar uma casa vazia. Um deles afirma: “Tive que ocupar, como vou pagar 270 reais de aluguel se recebo 400 no trabalho de servente de pedreiro? Tenho mulher grávida e um filho para criar”. Qualquer um que ouvisse suas histórias se arrepiaria pela miséria e violência a qual foram expostos antes de chegar a tal lugar e tomar tal decisão.
II – Organização e relações sociais:
De um lado o movimento não tem lideranças, nem princípios constituídos nem organização hierárquica; se revezam em pequenos grupos de trabalho e as informações ficam a cargo do apoio de militantes apoiadores. Talvez este fato seja importante para explicar o espetáculo de democracia direta e solidariedade inigualável que se pode observar em suas reuniões.
As ciências sociais ainda não lhes focam com a importância científica nem a cidade de Uberlândia lhe reconhece importância política, mas isto é um grande erro, perde-se a oportunidade de entender tal cultura urbana, tal complexidade, suas próximas ações prometem constranger posturas políticas “apáticas” presentes na cidade.
Do ponto de vista das relações sociais, leia-se sociabilidade, entre os componentes da ocupação enganam-se aqueles que apresentam uma visão de que em um contexto com dificuldades materiais necessariamente encontramos tristeza e incapacidade. A quem participar de suas reuniões organizativas pode observar crianças brincando, mulheres entoando cantos evangélicos, homens rindo das piadas contadas. Esta é a convivência de um lugar ao mesmo tempo pobre e extremamente diverso.
III – Situação política:
O autor clássico Engels ao falar da origem dos movimentos sociais operários em “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra” lança a tese de que o movimento operário teria três fases: 1) resistências individuais (como o crime); 2) criação de associações de auxilio mútuo (solidariedade de classe); 3) movimento com conteúdo e organização política (movimento reivindicativo).
Observamos que o grupo em questão apresenta nível de organização com elementos que oscilam entre os três estágios de forma concomitante: suas decisões são motivadas pela necessidade material de uma moradia própria; solidariedade dos ocupantes para com aquelas famílias de ocupantes que não conseguem seu sustento básico – ou até participação nas demandas do movimento, como cadastro; se organizam para lutar por seus direitos, comparecendo, por exemplo, em frente á Caixa Econômica Federal para pressionar as autoridades sobre suas necessidade e reivindicações, e etc.
Elementos aparentemente contraditórios são combinados: uma religiosidade forte com uma objetividade também marcante, em suas falas sempre afirmam acerca de Deus mas nunca se esquecem de falar da necessidade da luta, entendem sua condição e que dela podem sair somente pela luta, mas incorporam a esperança na ajuda divina a este discurso – Deus e Luta são vocábulos comuns em suas falas.
A cidade de coronéis que é esta Uberlândia também lhes coloca seus limites políticos: seria de esperar que pelo menos algum político de esquerda apoiasse a causa, no entanto, estão abandonados por estes políticos que em ano de eleição não podem se sujar. De um lado Fellipe Atiê, pretenso candidato a prefeito, se aproximou apenas de algumas famílias, não para ajudar, mas para montar uma base de apoio – afinal não se apresentou a todo o grupo – de outro lado Gilmar Machado, seu concorrente, não quer auxiliar os ocupantes porque apresentam base de apoio de Felipe Atiê. Até o momento o movimento recebe apoio apenas de 4 militantes contrários a estas tendências de polarização para as eleições (CPT, Sindicato dos Correios e Coletivo estudantil DialogAção).
Apesar desta tragédia uma dupla condição se formou: pelo descaso dos políticos “coronelistas” são condicionados em direção à auto-organização; criam o mais belo espetáculo de democracia direta, sincera e comprometida, capaz de ser paciente com as diferenças entre seus companheiros e resolver a situação de forma coletiva – algo que jamais pude observar desde o congresso nacional da república do Brasil até nas assembleias do movimento estudantil.
Ao mesmo tempo em que episódios enfraquecem o movimento, como a ação da prefeitura que busca criar dissidências internas, processos contrários fortalecem sua luta; empurra-os para uma solidariedade entre seus membros e clareza de quem são seus amigos e quem são seus inimigos.
Por fim aquele grupo de lutadores legítimos precisa de ajuda dos diversos movimentos sociais, e esta é nossa tarefa, nos aproximarmos, ajudar em sua organização, apoiar sua luta, sempre respeitando suas vontades e seus métodos.
“Quando morar é um privilégio ocupar é um direito”
Fernando H. S. Araújo – Membro do Coletivo Estudantil Dialogação, Campo Debate Socialista (PSOL), Centro Acadêmico de Ciências Sociais – UFU (gestão Interagir) – 23/04/2012
Um recurso jurídico chamado “agravo” – que consiste no pedido de revisão da decisão pelo próprio juiz ou por outro – foi montado para impedir o despejo e encaminhado ao órgão competente em Brasília-DF, baseando-se no argumento da não utilização das casas e a condição de pobreza das ocupantes.
Sabe-se bem que nestes casos o processo jurídico é apenas uma parte da questão, o principal é a pressão política, por parte de apoiadores da sociedade civil e de movimentos sociais, mas principalmente da luta dos próprios moradores.
Enquanto o advogado Igino Marcos (CPT – Comissão Pastoral da Terra) continua preparando o recurso ao despejo e apoiando juridicamente essas famílias, outros apoiadores (CPT) e moradores se preparam para mais lutas.
I – Situação Material:
Ao conviver com nesse meio rapidamente observamos que se trata de um grupo de trabalhadores próximos ao chamado “lupemproletariado”; onde sua renda atinge no máximo 700 reais mensais dentre cerca de 5% de seus integrantes, mais da metade ganha entre 1 salário mínimo (650) e 400 reais e o restante menos do que isso, em sua maioria sem carteira assinada e trabalho irregular.
A motivação para o ato de ocupação é clara: impossibilidade de pagar aluguel – muito menos em comprar ou financiar uma casa – com tal salário, numa cidade de grande especulação imobiliária onde o aluguel de uma casa pequena e longe da região central não é menos de 250 reais – o que a maioria expressou ter pago anteriormente. Depreendo a primeira questão: como pode uma família com a renda de 400 reais pagar aluguel e ainda comer?
Está claro que um grupo social exposto a salários baixos, trabalhos de meio período, subemprego, “bicos” e até desempregados, tomem tal medida desesperada de ocupar uma casa vazia. Um deles afirma: “Tive que ocupar, como vou pagar 270 reais de aluguel se recebo 400 no trabalho de servente de pedreiro? Tenho mulher grávida e um filho para criar”. Qualquer um que ouvisse suas histórias se arrepiaria pela miséria e violência a qual foram expostos antes de chegar a tal lugar e tomar tal decisão.
II – Organização e relações sociais:
De um lado o movimento não tem lideranças, nem princípios constituídos nem organização hierárquica; se revezam em pequenos grupos de trabalho e as informações ficam a cargo do apoio de militantes apoiadores. Talvez este fato seja importante para explicar o espetáculo de democracia direta e solidariedade inigualável que se pode observar em suas reuniões.
As ciências sociais ainda não lhes focam com a importância científica nem a cidade de Uberlândia lhe reconhece importância política, mas isto é um grande erro, perde-se a oportunidade de entender tal cultura urbana, tal complexidade, suas próximas ações prometem constranger posturas políticas “apáticas” presentes na cidade.
Do ponto de vista das relações sociais, leia-se sociabilidade, entre os componentes da ocupação enganam-se aqueles que apresentam uma visão de que em um contexto com dificuldades materiais necessariamente encontramos tristeza e incapacidade. A quem participar de suas reuniões organizativas pode observar crianças brincando, mulheres entoando cantos evangélicos, homens rindo das piadas contadas. Esta é a convivência de um lugar ao mesmo tempo pobre e extremamente diverso.
III – Situação política:
O autor clássico Engels ao falar da origem dos movimentos sociais operários em “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra” lança a tese de que o movimento operário teria três fases: 1) resistências individuais (como o crime); 2) criação de associações de auxilio mútuo (solidariedade de classe); 3) movimento com conteúdo e organização política (movimento reivindicativo).
Observamos que o grupo em questão apresenta nível de organização com elementos que oscilam entre os três estágios de forma concomitante: suas decisões são motivadas pela necessidade material de uma moradia própria; solidariedade dos ocupantes para com aquelas famílias de ocupantes que não conseguem seu sustento básico – ou até participação nas demandas do movimento, como cadastro; se organizam para lutar por seus direitos, comparecendo, por exemplo, em frente á Caixa Econômica Federal para pressionar as autoridades sobre suas necessidade e reivindicações, e etc.
Elementos aparentemente contraditórios são combinados: uma religiosidade forte com uma objetividade também marcante, em suas falas sempre afirmam acerca de Deus mas nunca se esquecem de falar da necessidade da luta, entendem sua condição e que dela podem sair somente pela luta, mas incorporam a esperança na ajuda divina a este discurso – Deus e Luta são vocábulos comuns em suas falas.
A cidade de coronéis que é esta Uberlândia também lhes coloca seus limites políticos: seria de esperar que pelo menos algum político de esquerda apoiasse a causa, no entanto, estão abandonados por estes políticos que em ano de eleição não podem se sujar. De um lado Fellipe Atiê, pretenso candidato a prefeito, se aproximou apenas de algumas famílias, não para ajudar, mas para montar uma base de apoio – afinal não se apresentou a todo o grupo – de outro lado Gilmar Machado, seu concorrente, não quer auxiliar os ocupantes porque apresentam base de apoio de Felipe Atiê. Até o momento o movimento recebe apoio apenas de 4 militantes contrários a estas tendências de polarização para as eleições (CPT, Sindicato dos Correios e Coletivo estudantil DialogAção).
Apesar desta tragédia uma dupla condição se formou: pelo descaso dos políticos “coronelistas” são condicionados em direção à auto-organização; criam o mais belo espetáculo de democracia direta, sincera e comprometida, capaz de ser paciente com as diferenças entre seus companheiros e resolver a situação de forma coletiva – algo que jamais pude observar desde o congresso nacional da república do Brasil até nas assembleias do movimento estudantil.
Ao mesmo tempo em que episódios enfraquecem o movimento, como a ação da prefeitura que busca criar dissidências internas, processos contrários fortalecem sua luta; empurra-os para uma solidariedade entre seus membros e clareza de quem são seus amigos e quem são seus inimigos.
Por fim aquele grupo de lutadores legítimos precisa de ajuda dos diversos movimentos sociais, e esta é nossa tarefa, nos aproximarmos, ajudar em sua organização, apoiar sua luta, sempre respeitando suas vontades e seus métodos.
“Quando morar é um privilégio ocupar é um direito”
Fernando H. S. Araújo – Membro do Coletivo Estudantil Dialogação, Campo Debate Socialista (PSOL), Centro Acadêmico de Ciências Sociais – UFU (gestão Interagir) – 23/04/2012
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